domingo, 22 de março de 2015

a invenção da água

o rio a saber a sabão tem o teu nome e soletra-o quando os peixes morrem
as árvores dão pernas às raízes para darem frutos ao pé de ti
as larvas fizeram um intervalo na fruta podre e rastejaram até à tua beira
e tu caíste por mim dentro           aproximando-me dos bichos e das folhas que agora
[estão como se eu fora
a minha natureza foi feita com o que tinhas a mais
o que te escorreu pelo nariz
pelos ouvidos
pelos poros
fez um mar até mim
e eu nasci afogado porque o teu amor inventou a água
a água és tu
quem se molha tem-te
tenho saudades de mim pequenino
quando estava no que tinhas dentro a perguntar ao mundo que estava para existir se era 
[tão lindo lá fora como era lá dentro
és a mulher
fazes-me
inventaste a água
todos os imundos se lavam por ti
guardas toda a sujidade
entende-la
compreende-la
engoliste as arestas de todos os podres e devolve-los imaculados como se a água que tu
[és nos mostrasse as cores difusas dos oceanos que chorámos por ti
inventaste a água
inventaste a água
não sei nadar
fiz amizade com um peso atado aos pés e navego por ti até ao fundo
inundas-me
acolhes-me
e não respiro
mas sorrio sem saudades do ar que para mim foi mau

poema do livro "o amor és tu" de João Negreiros


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