quarta-feira, 22 de outubro de 2014

O meu sonho é trabalhar por conta própria

Gostava que o meu trabalho fosse estar com as pessoas que mais gosto, que são as pessoas que me fazem bem. Gostava de trabalhar num escritório e que o meu trabalho fosse fazer nenhum. Era só ficar lá a ser amada. Muito amada. Chegava um e amava-me muito. Chegava outro e amava-me muito. No escritório que tenho houve um corte no pessoal administrativo e estou lá sozinha. Vou ter com o meu chefe e vou dizer-lhe duas. Vou dizer-lhe:
- Vou-me embora, ó boi. Despediste toda a gente, grande boi. Já não tenho amigos à beira da fotocopiadora, nem irmãos junto à máquina de café.
O meu chefe despediu as pessoas que trabalhavam comigo e nem as deixa visitar o emprego antigo. Eu estava tão bem rodeada. Sabia exatamente quem queria a meu lado. Às vezes até passava com eles o fim de semana e as horas extraordinárias e não é que o cabrão os despediu a todos. Vou dizer-lhe mais duas:
 - Quero a demissão, ouviste estúpido? Vou-me embora. Trabalha tu sozinho ou com quem não gostas. Para mim não serve. Para mim tem que ser melhor. Para mim vai ser melhor.
Estou no escritório dele. Vê-se o mar da vista dele e então percebo. Está vazio. O escritório dele está vazio.
 Saio de lá e corro pela empresa. Vou à sala de convívio e ninguém, na arrecadação as esfregonas secaram e as almofadas dos carimbos adormeceram para sempre.
 O sítio onde trabalho não tem chefe nem empregados, nem senhora da limpeza, nem assistentes, nem telefonistas, nem colaboradores, nem menina na receção.
 O sítio onde trabalho está vazio e fui eu que os despedi a todos com a preguiça de lhes pagar o salário que era só dar-lhes os bons dias e sorrir.
 Vou dizer-lhes que voltem já… e como o edifício sou eu, os escritórios sou eu e a menina da recepção sou eu entram agora amigos pelas portas de vidro com a maior das transparências.
 E o meu trabalho é este: viver ao lado de quem escolho.
 Eu escolho quem me faz bem e faz-me bem quem eu escolho porque quem eu escolho tem bom gosto.
 Não vou ter que mandar pintar, nem que mandar limpar, nem que reorganizar a estrutura da empresa.
 É uma empresa familiar porque o meu pai trabalha comigo, é uma empresa familiar porque a minha mãe trabalha comigo… porque os meus primos, os irmãos que quase tive, os amigos que quase foram e as pessoas que me deram os bons dias com esperança trabalham comigo. Trabalham comigo os que quiseram as mesmas paredes, a mesma mobília, as mesmas flores de plástico, os mesmos quadros na parede e a mesma vista. Estão comigo os que me querem e os que queriam algo melhor têm mau gosto.
 É uma empresa familiar. Trabalham comigo o meu pai, a minha mãe, o meu marido e os meus amigos. Os outros trabalham noutras empresas. É um negócio pequenino como uma enorme multinacional e grande como um elefante de plasticina. É uma empresa familiar. Trabalho com o meu pai, a minha mãe, o meu marido e os meus amigos e vai fechar quando eu quiser, quando eu quiser… e eu quero que exista para sempre.
É uma empresa familiar. Sou eu o chefe e tudo o resto. Sou eu o chefe e tudo o resto. 

Texto de "O Manual da Felicidade" de João Negreiros

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