quarta-feira, 27 de agosto de 2014

Isso mesmo

Não posso pensar no que os outros pensam.
Posso então não pensar no que os outros pensam?
Não, porque quando penso em não pensar no que os outros pensam acabo por pensar no que os outros pensam ou no que eu penso que os outros pensam de mim.
Pensar no que os outros pensam de mim sem ouvir os outros deve ser o que acho de mim ou então o que acho que ouvi de mim quando os outros estavam calados.
Os outros são muita gente porque os outros são todos os outros e deve haver outros para todos os gostos. E os gostos deles devem gostar e não gostar de mim, perceber e não me perceber, conhecer-me e não me conhecer.
Os outros que não me conhecem não sabem quem sou mas penso neles como se os conhecesse.
Pensar numa coisa faz a coisa existir e não pensar faz não existir. Se uma coisa não existe passa a existir no passado ou na imaginação e isso dá no mesmo, o mesmo sou, sou sempre eu porque sou muito parecido como quase tudo o que sei.
Sair à rua é um processo passível de apresentar inúmeras conjecturas e dissertações e isso é profundamente… isso é profundamente… isso é profundamente… isso é profundamente uma merda.
A profundidade do que não sei é a mais fútil verdade, a profunda mentira.
A sabedoria de quem não sabe do que fala é a estupidez traduzida para gambuzinos.
Quem não me conhece pode pensar no que sou mas não tem acesso à informação porque o único detentor da informação sobre a minha pessoa sou eu, que sou a única pessoa que pode ser minha.
Pensa de mim o que quiseres, não existe.
Faz de mim o que for, não serei.
Diz de mim o que achares, não me conheces.
Olha para mim como se soubesses, não me vês.
Define-me… não há palavras.
Ilustra-me… sou um livro sem bonecos.
Pinta-me… sou um livro de colorir que passou por todas as mãos do jardim de infância.
Apresenta-me… só eu sei o meu verdadeiro nome.
Marca-me… só eu tenho acesso à minha pele.
Explora-me… sou deserto.
Penso de mim o que quero e sou isso mesmo.
Penso de mim o que quero e sou isso mesmo.
Penso de mim o que quero e sou isso mesmo
                isso mesmo
                isso mesmo
                isso mesmo

Texto de "O Manual da Felicidade" de João Negreiros

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