domingo, 29 de junho de 2014

"cesariana" - poema musicado


cesariana

preferes ser esperto ou inteligente?
esperto como toda a gente

preferes ser esperto ou inteligente?
esperto como toda a gente
para estar quase acordado
ou então nem um nem douto
para dormir descansado

preferes ser burro ou aristocrata?
burguês porque zurro
quando me põem a pata

como os pequenos
a quem vestem a bata
e não faço por menos
sou eu quem os mata


porque pequenos
temos demais
já eram pequenos
no tempo dos pais

e vamos assim
como quem não quer
não esperem por mim
depois de morrer

fico p’ra semente
de tão mentiroso
rasgo-te o ventre

e nasce um idoso

poema do livro "luto lento" de João Negreiros

terça-feira, 24 de junho de 2014

O copista de uma palavra só

Às vezes quero-te nas entrelinhas
não me ouças a voz
nem me sigas os gestos
para não ser subtil vou fazer um rodapé néon que diz

amo-te

e vou caminhar sobre ele           para sentir os passos mais seguros
depois doarei meu corpo à caridade    
e serei apenas o que interessa

o pombo que voa pela mensagem
o índio agarrado à vida por uma máquina de sinais de fumo
a legenda de um filme búlgaro          que se apanhou a meio           e que ninguém traduziu
mas no fim           quando as luzes se acendem


não percebi nada           mas acho que ele a amava


poema do livro "o cheiro da sombra das flores"


sexta-feira, 13 de junho de 2014

Razão de gueixa

Dorme bem
melhor
dorme melhor
no ninho
só?         não
soninho
cama
ama
e o menino?
deixas ser o teu menino?
ó deixa
óó
óó
óó deixa
é a tua deixa
gueixa


poema do livro "o cheiro da sombra das flores" de João Negreiros


terça-feira, 10 de junho de 2014

O emprego das palavras

gosto de trabalhar
faz bem
a mim e aos outros           que também trabalham            até que se apaixonam

as pessoas gostam de paixão no trabalho
pena que não trabalhem com paixão


mal empregado amor


poema do livro "o cheiro da sombra das flores" de João Negreiros

quinta-feira, 5 de junho de 2014

Texto d' "O Manual da Felicidade"

Sabes o que pensas de quem amas.
Dizes o que pensas de quem amas?
Sabes o que dizes de quem amas.
Amas o que dizes de quem amas?
Pensas o que dizes de quem amas?
Não precisas de pensar quando dizes o quanto amas.
O amor traduzido para palavras dá ao amor voz e às palavras utilidade.
Para a violência há gestos que chegue.
Para o amor são precisas palavras exactas que não confundam os amados com gestos dúbios.
Se amas diz para ser mais forte.
Se gostas… gosta com sons que a tua língua sempre teve para ti.
Pega em palavras escolhidas. São as mesmas que todos usam mas têm a combinação particular da tua voz e da tua mente.
E para além disso vê o bom em tudo porque em tudo há o bom. Sabes que vendo o bom vês o início da bondade? Mudas uma letra e tens caminho aberto para fazeres a vida melhor. Queres a vida melhor?
Então se queres diz. Diz alto. Diz com palavras perfeitas que são exactamente aquelas que te vêm à cabeça no primeiro impulso.
O teu primeiro impulso sempre foi bom.
Sabes que nasceste com a certeza do que estava certo. E certo… certo é seres feliz e gritares isso… ou murmurares isso… ou urrares isso… ou celebrares isso.
Se nasceste a chorar foi porque te bateram, não porque fosse impulso verdadeiro. Ninguém te bate agora. Agora querem-te como estavas para nascer. Querem-te rindo e esperneando por um ar melhor que enche os pulmões de algo que é a vida. A vida és tu e nós queremos ouvi-la como ela é. Como tu és.
Dá abraços que fazem falta a quem anda perdido e em busca de ser amarrado. Dá beijos a quem for seco. Diz carinhos a quem já os tem porque demais é só a tristeza… felicidade em demasia é como calor a mais quando está frio, lume a mais quando apagou, sol a mais quando é Inverno, Lua a mais quando é de noite, certezas a mais quando se hesita, cola a mais quando não pega, força a mais quando não podes, coragem a mais quando tens medo.
Tu nasceste a sorrir e a dizer coisas lindas. Se choraste e se começaste a falar tarde foi porque não te deixaram. Agora deixo-te eu para fazeres aquilo a que estavas destinada.
Sorri como vinhas para fazer. Diz o doce que tinhas preparado e nas palavras serás a pessoa que já és no resto. No resto és a vida… nas palavras és agora tudo o que falta.
Fala agora o amor que andaste a adiar e que vem no momento certo.
Este é o momento certo.

Diz coisas lindas que a bondade sem ti não tem piada nenhuma.

Texto do livro "O Manual da Felicidade" de João Negreiros